segunda-feira, 22 de março de 2010

Qual a distância das estrelas ???

Numa noite escura, as estrelas distribuídas pelo céu são vistas como pontinhos brilhantes que piscam. Tem-se a impressão de que todas elas se encontram à mesma distância da Terra. Na verdade, as vemos projetadas na abóbada celeste e não se tem a noção de profundidade. Por muito tempo, os astrônomos organizaram catálogos contendo as posições das estrelas na esfera celeste, mas foi necessário encontrar uma maneira de medir suas distancias para que se pudesse ter a verdadeira posição de cada uma delas. Somente conhecendo esse valor é possível, por exemplo, reconhecer que as estrelas de uma constelação podem aparentar uma proximidade que não é real.

Até o início do século 20, os métodos disponíveis permitiam medir a distância de poucas estrelas na vizinhança solar, mais próximas que cerca de 100 anos-luz. Para chegar a distâncias maiores foi preciso encontrar outros tipos de réguas cósmicas. Assim como nos dias de hoje, foi o desenvolvimento tecnológico dos telescópios e dos detetores, aumentando a área coletora de luz e permitindo observar objetos mais fracos, que proporcionou o avanço observacional necessário para se atingir distancias maiores, mudar paradigmas e progredir nos modelos teóricos do Universo.

De fato, após sua invenção no início do século 19, a placa fotográfica substituiu o olho humano nas observações. Associada ao telescópio, permitiu obter imagens do céu que podiam ser armazenadas e organizadas para análise posterior. A importância desse avanço foi muito bem expresso por Willemina P Fleming (Harvard College Observatory): “While the old-time astronomer clings tenaciously to his telescope for visual observations, astronomical photography is leaving him far behind and indeed almost out of the field.”¹ Qualquer semelhança com o trabalho de pesquisa atual não é mera coincidência!

Uma nova régua cósmica

Usando uma centena de placas fotográficas obtidas entre 1893 e 1906 no telescópio Bruce (65 cm) no Observatório de Harvad no Peru, Henrietta S. Leavitt, cujo trabalho era medir o brilho das estrelas nas placas fotográficas, organizou um catálogo com 1777 estrelas observadas nas Nuvens de Magalhães. Dentre elas encontrou estrelas cujo brilho variava periodicamente com características semelhantes a estrelas variáveis encontradas em aglomerados globulares − conjuntos de milhares de estrelas gravitacionalmente ligadas. Leavitt mediu o período de variação de 25 dessas estrelas, notando que este era tanto mais longo quanto mais brilhante a estrela. Corria o ano de 1912 e estava aberto o caminho para as grandes descobertas do século 20.

Hoje se sabe que as estrelas apresentadas por Leavitt constituem uma classe de estrelas variáveis brilhantes, cujo período é de alguns dias a dezenas de dias. O nome Cefeidas vem da estrela-protótipo δ Cephei descoberta por John Goodricke em 1784. São estrelas massivas, com massa entre 5 a 20 massas solares, que estão numa fase de instabilidade. A atmosfera da estrela pulsa, ora expandindo, ora contraindo, o efeito de duas forças opostas: a de pressão do gás e a gravitacional.

A relação entre o período de variação (P) e o brilho absoluto ou luminosidade (L) da estrela, que expressa a energia emitida pela estrela por unidade de tempo, fornece uma excelente régua cósmica, se for bem calibrada. De fato, a partir do período observado em estrelas com características de Cefeidas, pode-se encontrar seu brilho absoluto que, comparado ao brilho aparente observado, fornece uma medida da sua distancia.

Mudança de paradigma

Usando a relação P-L em estrelas de aglomerados globulares, em 1918 Harlow Shapley mostrou que a distribuição espacial desses aglomerados não estava centrado no Sol. A partir de seus resultados, apresentou um novo modelo para a Via Láctea (ou Galáxia) : um disco estelar espesso, com aglomerados globulares esfericamente distribuídos ao seu redor, e com o Sol na periferia do disco.Foi quebrado o paradigma do Sol como centro do universo.

Na década de 1920, usando o mais potente telescópio da época, o de 2,50 metros de Monte Wilson, Edwin Hubble observou Cefeidas nas chamadas nebulosas espirais, em particular em Andromeda. Ao obter a distancia dessas estrelas, muito maior que o tamanho da Via Láctea, concluiu que essas nebulosas não pertenciam à Galáxia, mas eram outras galáxias. O universo conhecido é maior que os limites da Galáxia.

Alguns anos antes, Vesto Slipher tinha calculado a velocidade com que algumas dessas galáxias se afastavam da Terra, e chamou a atenção para o fato de serem velocidades bem maiores que as observadas em outros objetos celestes. Hubble, ao juntar os resultados de Slipher com os seus sobre a distancia, concluiu que além das galáxias se afastarem, sua velocidade de recessão era tanto maior quanto maior a distancia da galáxia. O universo, outrora considerado estático, estava em expansão.

Em poucos anos a concepção de universo heliocêntrico, vigente por três séculos, foi completamente mudada, graças à existência de estrelas Cefeidas, luminosas o suficiente para permitir alcançar distancias de dezenas de milhões de anos-luz. Nas palavras do próprio Hubble: “The history of astronomy is a history of receding horizons”².

¹ Five New Stars - The Independent, NY, 20/04/1899 “Enquanto um astrônomo veterano se agarra ao seu telescópio fazendo observações visuais, a fotografia astronômica o deixa para trás e realmente quase fora da pesquisa.”

²1927, Astronomical Society of the Pacific Leaflets, Vol. 1, p.35 “ A história da astronomia ´´uma história de expansão de horizontes.”

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